sexta-feira, 21 de agosto de 2009

NOVE ILHAS, UM PARAÍSO III











Há uns vinte anos a família foi ao Museu Oceanográfico do Mónaco. Criado por Alberto I (1848-1922), bisavô do actual soberano, é instituição referência na oceanografia mundial, a par do Museu de Bóston ou do Oceanário de Lisboa.
Logo nas primeiras salas vi botes baleeiros, a ossatura dum cetáceo, âmbar em larga porção, e, espanto meu, uma lula de nove metros apanhada em 1916, tudo da ilha do Pico. Soube depois, Alberto do Mónaco tem nome em ruas de quase todas as cidades dos Açores, tais os elos a prendê-lo às ilhas atlânticas. O Observatório meteorológico no Faial, sobranceiro à Horta e ao monte de Porto Pim, feito a instâncias suas, tem igualmente o seu topónimo, e bem assim a artéria ali conducente. Do seu pioneirismo a investigar o oceano profundo advieram trabalhos científicos de grande valia sobre a biologia e o sistematizar da fauna das zonas abissais, no Mediterrâneo, Atlântico e Árctico. A navegar num ou noutro dos seus quatro navios, iates como se lhes referia, Hirondelle, Princesse Alice, Pincesse Alice II e Hirondelle II, nesta ordem, realizou campanhas várias nos Açores. Pertence-lhe a descoberta do grande banco de peixe a sul do Pico, baptizado Princesa Alice. Voltou muitas vezes às ilhas, nutriu relações próximas com as comunidades piscatórias, como atesta a sua autobiografia La Carrière d'un Navigateur. Esta relação quente com o arquipélago estendia-a também a D. Carlos I de Portugal, rei artista. Visitaram ambos os Açores em 1901. Partilhavam o gosto do mar e da fotografia. O príncipe, tal como membros das suas equipas, colheu algumas das mais antigas imagens conhecidas do Corvo e seus residentes. Devem-se-lhe os primeiros estudos e a descrição da faina baleeira.
Cem anos depois Jacques – Yves Cousteau, no Calypso, navegou vezes sem conta o mar de mil tons das ilhas, com idêntico fito, e acostou na Horta. Que atracção este mar! Mas Susana Goulart (1), investigadora, surpreende-se com a escassez da actividade piscatória nos Açores. Ao invés dos camponeses que lavravam o mar da Nazaré, os povoadores eram mais trabalhadores da terra – o trigo e depois o milho em especial – temerosos do mar intranquilo, rico em peixe diverso, fugindo-se a esta regra, até hoje, apenas em São Mateus da Terceira e Rabo de Peixe em São Miguel. A partir de 1765 começam a chegar ao mar açoriano os navios baleeiros americanos, mais frequentes ao longo do século XIX, que pescam os cetáceos e recrutam tripulações. Só na segunda metade do século, no rescaldo das crises do vinho e da laranja, os açorianos despertam para a caça ao cachalote. Esta prática veio a conquistar vertentes industriais afins à pesca e a assumir relevo económico nas ilhas do grupo central.
Os açorianos são duma religiosidade intensa, devotos dos seus padroeiros e cultores das tradições seculares. As Festas do Espírito Santo, replicadas em todo o mundo onde chegaram emigrantes das ilhas, são costume medieval trazido pelos navegadores primevos. Fermentaram o sentimento de comunidade, apanágio da cultura das ilhas. Consoante o lugar, a uma criança, um rei ou uma rainha, é aposta coroa na igreja paroquial, ceptro e placa de prata símbolos do Espírito Santo. Quem é coroado preside ás festas nos sete Domingos sobre a Páscoa. No sétimo Domingo do Pentecostes há uma grande festa na cidade. Pão a distribuir e imagem santa são guardados nos lindíssimos Impérios. Só na Terceira há para cima de setenta. Na festa de coroa é confeccionada a sopa do Espírito Santo, carne cozida e assada e legumes, distribuída com pão a todos os não pertencentes ao império local ou à população inteira. Estas festas replicam-se por todo o Verão, por promessa ou devoção dos que podem realizá-las.
As festas do Senhor Santo Cristo, tradição a recuar ao século XVI, realizam-se em Ponta Delgada, no quinto Domingo sobre a Páscoa. Sismos e erupções continuadas deram à crença um porto seguro no culto à imagem do Senhor Santo Cristo. A primeira procissão é de 1700. Em Dezembro de 1713, sismos a abalarem a ilha, houve peregrinação de súplica pelo termo da inclemência. Os tremores pararam, consta. O respeito à imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres ampliou-se. Ao cair do pano nas festas sai a procissão, enorme, a demorar umas cinco horas, pisando um sem número de tapete florais a ornamentarem as ruas.
Hpinto
Agosto 09

(1) Susana Goulart Costa, Açores, Nove Ilhas, Uma História, edição do Institute of Governmental Studies Press, University of Califórnia, Berkeley, 2008

Fotos: de cima para baixo e da esquerda para a direita - Príncipe Alberto I do Mónaco e Programa dos Festejos em Ponta Delgada em Honra de Sua Altesa Sereníssima, quando da inauguração da avenida com o nome do ilustre monarca, imagens de Jacqueline Carpine Lancre; Cachalote nos Açores; Museu Oceanográfico do Principado do Mónaco; navio Hirondelle; Rei D. Carlos I de Portugal; Ilha do Pico vista da cidade da Horta, Faial; bote baleeiro, Lajes do Pico; navio Calypso, de Cousteau, em 2005; Império do Espírito Santo do Terreiro da Terra Chã, Ilha Terceira; Procissão do Senhor Santo Cristo em Ponta Delgada, São Miguel

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