sexta-feira, 28 de agosto de 2009

SÁBIOS POR ENCOMENDA


A depauperização intelectual traduzida em notícias de faca e alguidar e telenovelas de manhã à noite vai ao encontro duma camada de cidadãos com gradientes diversos de analfabetismo cultural. E vende bem. O mesmo se aplica ao pessimismo enlatado dum suposto mundo bipolar, característico de certa comunicação de classe média, que chega a colocar os portugueses no patamar térreo de todas as desgraças. O analfabetismo cívico e político é transversal nas nossas como noutras comunidades. E o princípio é o mesmo. Vende bem.
Um grupo de cidadãos ilustres e menos ilustres apresentou há algum tempo a descoberta «milagrosa» para pôr cobro às elevadas taxas de tuberculose e SIDA que prevalecem entre nós. Alguns deles provavelmente já terão criticado Fidel de Castro pela violência do encarceramento deste tipo de doentes e até dos homossexuais, em redomas especiais perto da Baía dos Porcos. Mas a solução que apontam é, pasme-se, exactamente a mesma, o internamento compulsivo.
Como se não fossem suficientes os factos de 90% dos reclusos das nossas cadeias serem doentes toxicodependentes – e por vezes nem haver lugar para os criminosos julgados –, e pulularem clínicas para tratamento daqueles casos que são sorvedouros do orçamento das famílias e do Estado.
Logo outras vozes comentam piamente que o mal está na indigência extrema de muita gente. Já só falta argumentar que em Portugal se copula mais que em outras paragens, reinventando-se o falso mito do macho latino como explicação para a alta incidência de doenças com afinidade aos comportamentos sexuais.
Não basta pois reclamar que há uma interdependência forte entre tuberculose, SIDA e comportamentos aditivos.
Infelizmente há uma incúria imensa e de longa duração responsável por isto, que atenta no analfabetismo científico – designadamente no que deveria ser efectivamente saúde pública – por banda da elite que tem superintendido nas políticas de saúde nas últimas décadas. E que abrange também os núcleos férreos do corporativismo profissional.
Nos anos 90 e 91 os americanos deitaram abaixo hospitais onde tinham sido internados este tipo de pacientes. Não estavam preparados para casos onde se potencia a resistência medicamentosa. A circunstância de os terem recebido, aumentando as mortes por tuberculose multiresistente dos imunodependentes, incapacitou-os definitivamente. Nós também não temos, nem hospitais adequados nem cultura de saúde, para o suportar.
Há muito que os países que melhor cuidam deste problema privilegiaram a alfabetização sexual e sanitária. Estes doentes carecem de companhia presencial em todas as tomas do cocktail medicamentoso. O que se pode fazer com um suporte social consistente. Tal como os dependentes de drogas ao deixarem os estabelecimentos de tratamento. Eis apenas dois exemplos práticos duma política social ligada à saúde que em termos gerais não existe. E que, de tanto se valorizar o desequilíbrio orçamental e as listas de espera, provavelmente não existirá tão cedo.

Henrique Pinto
Adaptado de Até o Diabo Tem as Malas Feitas, edição MinervaCoimbra

FOTO: Dra.Margaret Chan, Directora-Geral da OMS

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