domingo, 30 de agosto de 2009

SOB O SIGNO DE SANTO EGÍDIO


Sempre que estou em Roma, lazer ou imperativo de trabalho, não deixo de visitar a Comunidade de Santo Egídio e os amigos seus integrantes.
Em pleno Transtevere, dos bairros mais antigos de Roma poupados pela saga da monumentalidade absurda de Mussolini, e um dos melhores exemplos em recuperação de centros históricos, está a comunidade laica que é nos dias de hoje universidade do diálogo pela paz.
Quando os espaços de comunhão e de confluência no pós guerra do século XX são empobrecidos pelas estratégias económicas e expansionistas do século XXI, é importante ter-se consciência de que estas situações são mais e mais efémeras com o andar do tempo. Os espaços de partilha como Santo Egídio são dimensão no inevitável reconstruir do universo da concertação.
Desde que o planeta pensante tomou conhecimento da materialização das relações de paz entre a Renamo e a Frelimo em Moçambique, obra da comunidade e muito particularmente de negociadores exímios como o Reverendo Matteo Maria Zuppi ou o Professor Andrea Riccardi, a Piazza de Santo Egídio passou também a ser visitada por políticos de toda a parte.
Um detalhe curioso conhecido de poucos é significativo desta abrangência. Conseguida a adesão do líder rebelde para abordar a paz possível havia que chegar até à direcção da Frelimo com a força necessária para regatear o diálogo. Alguém se lembrou de Enriço Berlinguer, então secretário-geral do partido comunista italiano, católico fervoroso, praticante assíduo na missa dominical em Santo Egídio. E foi ele o intermediário qualificado entre os negociadores e o partido do governo moçambicano.
Uns desses políticos visitantes, como Robert Mugabe, certamente lá irão em busca de visibilidade com manto de tolerância, a escamotear a sua violência xenófoba e radicalismo político.
Outros, muitos, fazem-no em busca do seu Graal, ou de receita mágica a limpar-lhes os mandatos de escolhos dolorosos face a oposições armadas, terrorismo, choque religioso.
Mas muitos outros seguem a cauda da estrela para se engrandecerem intimamente no diálogo, prestando o seu testemunho abalizado, colhendo a ideia magistral, fruindo os dons sábios da experiência.
De Jaime Nogueira Pinto, com quem tive o gosto de ali me encontrar, a Mário Soares, um convidado assíduo bem respeitado, são muitos os portugueses, intelectuais e homens da política, que é habitual saber em Santo Egídio.
Quando as listas telefónicas deixaram de fazer sentido porquanto os nove milhões de telemóveis, sem listas e sem possibilidade de consulta genérica, ampliaram a comunicação individual mas estabelecendo afunilamentos tais, ficamos perplexos. Como sabemos dos 90% de toda a informação noticiosa no mundo a ser veiculada apenas por duas agências.
Ao mesmo tempo há todo um universo de comunicação transversal e global via internet –muitos dos inúmeros sítios e blogues constituem o melhor existente na discussão educada, bem escrita, culta – a deixar atrás esses estreitamentos cancerígenos, agoirentos, falso individualismo cósmico. Vezes sem conta, este sistema reticular é minorado pelo fatalismo imediatista de muitos pensadores de paz e futuro.

Hpinto
Agosto 09

FOTO: Andrea Riccardi

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