segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O ASSALTO AO BISPO


Falar de assalto ao bispo bem poderia ser a referência a disputado jogo de xadrez. Mas não, trata-se duma pequena história íntima que me contou D. Serafim, bispo emérito de Leiria/Fátima. E que, estou certo, ele me relevará a falta de contá-la aqui. Finda uma audiência com o Santo Padre saía ele do Vaticano quando um assaltante jovem o abordou ao estilo «a bolsa ou a vida». O bom conversador tentou em vão convencer o larápio. «Então não vês aqueles monsignori a entrarem nos mercedes e eu aqui a pé...». Frustrados vários argumentos mostrou-lhe a batina gasta e passajada, dizendo: «Estes botões tão mal cozidos fui eu que os pus». E o rapaz condoeu-se dele...
Conheci D. Serafim estava ele ainda no Colégio Português em Roma. É uma personalidade singular. Foi muito popular entre os seus diocesanos, com uma leitura pouco política do seu exercício. Talvez por isso não tenha ganho a unanimidade na conferência episcopal. Lembro-me do caso da TV Canção Nova, ou até de quando sugeriu que não se tocasse com os lábios no pé do menino Jesus, pelo Natal, dado o risco óbvio de contrair doenças transmissíveis, designadamente a tuberculose. Mesmo ao receber em Fátima o Dalai Lama. E logo os seus pares vieram a terreiro contrariar propósitos tão pouco ortodoxos.
Foi este homem sábio e tranquilo que me proporcionou encontrar-me com João Paulo II. Recordo a apreensão que me tocou ao perceber o tremor de mãos quando o mundo ignorou ainda por muito tempo a doença que já então o consumia.
Mingua o campo católico no país e boa parte dos padres jovens tem um discurso hiperbólico, fechado, imperceptível. Alguns bispos, pelo menos em sequência da entrevista translúcida de Bento XVI à saída da República dos Camarões, tomaram posição em favor do preservativo. Também a conferência episcopal deu grande abertura aos párocos para encararem a presumível maior capacidade de expansão da gripe A, com medidas avulsas semelhantes ou mais radicais que as propugnadas com igual fundamento científico por D. Serafim.
O diálogo entre ciência e igreja não é de ontem. É de esperar, a prazo, atenção diferente por parte da igreja a grandes estrangulamentos do mundo, só factível mediante alterações institucionais a resultarem do conhecimento mais laico.

Hpinto
Agosto 09
Adaptado de Até o Diabo Tem as Malas Feitas, edição Minerva Coimbra

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