segunda-feira, 31 de agosto de 2009

UM FANÁTICO DE PORTUGAL


Há oportunidades na vida que são um enorme privilégio. Nada que respeite à usura agridoce dos bens palpáveis, às mordomias de qualquer posição das raramente conseguidas a pulso ou aos prazeres libidinosos do sexo ou do poder.
Existem experiências singulares. Às vezes até nem se contam a ninguém não vá correr-se o risco da futilidade gabarola. Dizia pessoa de bem com um indizível ar de chacota, outro dia a colega tinha ido em férias ao Egipto mas pusera a correr tratar-se de viagem de serviço. Perguntavam-se os companheiros: que serviço!? E riam-se perdidamente... Certa ervanária, há perto de trinta anos, fez extracção da vesícula biliar no vetusto Hospital D. Manuel de Aguiar não sem antes deixar um escrito na porta da loja atestando frequentar na mesma altura um curso nos EUA.
Nos últimos anos trabalhei nos cinco continentes, voei o equivalente a sete voltas ao mundo, tomei contacto com pessoas maravilhosas de quase todos os países. Falar de experiência e privilégio é curto, mais parece bênção divina! Dá um grau de auto confiança apreciável, distanciamento crítico profundo. A maledicência e o escasso rigor nacionais contrastam com a admiração que Portugal suscita por todo o lado. O país deu o maior salto sociológico da história contemporânea nos últimos trinta anos. O que não atenua a hipótese duma difícil melhoria da qualidade de vida no devir mais chegado. Mas o fenómeno cultural em geral e particularmente a cultura da excelência, indispensável a um gregarismo com mais atributos de bem estar e vistosos níveis de tolerância, tanto para com os semelhantes como relativamente à natureza, cavam o maior fosso civilizacional da vida colectiva portuguesa. Só raramente os economistas têm esta noção de cultura.
Cabia-me discursar a seguir a Rui Rio e apanhei-lhe a deixa. Angustiado com o zurzir de costas que atribuía aos «intelectualóides» do Porto confessou-se um entusiasta de cidades como a capital austríaca. Disse-lhe por brincadeira, «meu caro presidente, os intelectuais vão ficar radiantes consigo depois desta revelação, o orçamento de Viena para a cultura é superior ao do nosso ministério do ramo».
Alguma mesquinhez bem apessoada, por vezes de mistura com a avidez política ou de influência, e um pouco ao jeito do radicalismo ecologista – apesar de tudo contraponto indispensável –, destrói paulatinamente as energias do poder dialogante, manietando-o no empreender dos projectos. Aplaude-os quantas vezes a mãos ambas. Afasta-se depois brandindo o gládio do interesse público. É sinal dos tempos, refrega onde o governo tem sempre a porta aberta.
No conseguir altear-se mais em metas ousadas, no fazer bem feito, é preferível ter os melhores ao seu lado, sem temor de sombras. Habituámo-nos a ter uma prática de tolerância bem elevada em relação ao que nos rodeia. Profissionais diferenciados nas minhas instituições, interessados em lançar projectos alternativos, seus, tiveram algumas vezes declarações públicas contrárias aos interesses de quem lhes paga. E nem uma só vez se lhes chamou à atenção.
Num fórum social recente, dos maiores da América do Sul, tive o ensejo de divulgar a mais ampla campanha mundial de apoio contra a fome, a doença e a ignorância nos países de expressão oficial portuguesa. Já o fizera há meses em Nairobi de forma mais discreta, com a mão de muitos países africanos. O que apenas testemunha quão falsa é a representação social exaustivamente generalizada onde o egoísmo substitui a solidariedade.
Mau grado a «pequenez» do ensino em Portugal é notória em certos escalões etários uma ideia de exigência, de tolerância e de solidariedade.
Há meses em resposta a alguém Sócrates acentuou dever ter prestado mais atenção à cultura, a parafrasear o primeiro presidente da UE, mas em franca vaga irónica. Apoucava as perguntas e não outra coisa. Isabel Pires de Lima e Pinto Ribeiro cumpriram no essencial e com o orçamento. Mas, lembrando Sérgio Godinho, entre a amostra e o verdadeiramente de assumir como cultura vai ainda o «passo dum canhão».

Hpinto
Agosto 09

FOTO: Pinto Ribeiro, ministro da cultura

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