quarta-feira, 7 de outubro de 2009

FENDAS E ESGUICHOS


Nada autoriza a concluir se os portugueses são pior governados em relação a espanhóis ou franceses e menos ainda se estes nos levam a melhor com oposições capazes de deixarem as nossas à distância.
Tudo nos fez ajuizar pela incompetência das administrações americana e europeias no passado recente em compreenderem a evolução próxima do mundo, em ultrapassarem a agiotagem dos seus interesses corporativos e em negociarem com as potências emergentes.
O último livro de Doris Lessing, A Fenda, usa a metáfora duma hipotética igualdade social distorcida por factores impensáveis, a lembrar-nos o impasse político mundial ora vivido. Uma sociedade só de mulheres vivia à beira do mar não fazendo propriamente nada. Reproduziam-se sem a ajuda do homem. Um dia, por inexplicável acaso, nasceu um menino. A esse seguiram-se outros e as tentativas de resolver o problema, eliminando-os, fracassaram. Aos poucos foi-se estabelecendo uma sociedade masculina ali próxima e não tardou que vaginas e esperma, as Fendas e os Esguichos, começassem a interagir, sobrevindo as angústias do desejo e demais consequências.
A entrevista feita por Clara Ferreira Alves a António Damásio para o Expresso foi de extrema importância para o conhecimento da investigação de cérebro e mente no século XXI. Ao mapear o cérebro com regiões para funções do corpo, as emoções, e os sentimentos afluentes no homem, o cientista enquadra bons e maus actos, de repercussões positivas e negativas, para o próprio e para os outros, o bem e o mal, como categorias biológicas, em vez de as olhar na perspectiva da religião. «O bem é o resultado de acções que levam à manutenção da vida, especialmente à vida com bem-estar, não só no próprio como nos outros». O mal será «o conjunto das acções e dos estados conducentes à perda da vida» ou ao que a malbarata.
A mulher submergia no automóvel num felatio voraz com o amigo de casa. Muitos a viram, a candura aflorou-lhe, e não lhe sendo tolerável imaginar o próprio marido olhado com avidez pela vizinha, vai daí agrediu-a. Há sempre quem ateste a honorabilidade desta gente e à falta de provas o juiz absolveu-a. Foi a vez de quem a ajudou passar a vítima. È exemplo de patética maldade, sentimento emergente da adição de emoções.
Damásio concebe «as emoções sociais como sendo em boa parte o resultado de processos biológicos organizados para responder a situações sociais, depois reprimidos ou reforçados pela educação e a aculturação».
O investigador está agora a individualizar esquemas éticos e políticos a partir das emoções sociais. Dos lúcidos se espera que eduquem.

Henrique Pinto

In Diário de Leiria 2009
FOTO: Doris Lessing

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