sábado, 12 de setembro de 2009

AI LURDES, NEM DÁS POR NADA|


A Sátira Aos Homens Quando Estão Com Gripe, poema muito humorado escrito há unstempos por António Lobo Antunes, estiliza o ar lamuriento de muitos portugueses. Ora repare-se:
«Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
(…) Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto, (…)».


Ouço Nuno Crato, que muito admiro, e fico apreensivo. Quando a mudança urge também ele propõe no imediato o modelo «desejável», tal a Quercus em versão reformadora.
Escuto em choque o Reitor duma universidade sueca. «Em cada cem candidatos de 19 a medicina, escolhemos um». Olho para 1974. Não foi qualquer governo, antes uma elite de estudantes visionários, a que tive a honra de pertencer, quem pediu o fecho das faculdades de medicina. O ensino devia rejuvenescer. Um governo reabriu-as, numerus clausus, justificável à altura, vexatório agora. Executivos posteriores foram incapazes de suster a Ordem dos Médicos – as Ordens tendem sempre a travar a concorrência – e a lidar com a autonomia das universidades entretanto conseguida. Hoje não temos médicos e as perspectivas são desfavoráveis.
Alemanha, Espanha e Itália ficaram com milhares de clínicos sem emprego à vista, tal como ora sucede em Portugal com licenciados em marketing, psicologia, gestão, serviço social, história, filosofia, biologia, turismo, recursos humanos, engenharias química e do ambiente, economistas, cultura e comunicação, línguas românicas, etc. As opções mais óbvias foram o professorado, conduzir táxis ou atender ao balcão.
Portugal beneficiou da oferta médica espanhola no colmatar de necessidades. Como ocorreu em África com os superavits escandinavo e inglês. Estudantes portugueses, nórdicos, alemães ou franceses, passaram a cursar medicina em Espanha, nas melhores universidades inglesas, na República Checa. Jovens europeus puseram de lado a opção medicina face ao parco emprego. Por isso Espanha ou Alemanha oferecem agora melhores condições aos médicos. O excesso virou escassez.

Como reagem os nossos ministérios da educação e do ensino superior ao desemprego pós universidade? Uma ferida a adensar o temor dos docentes pela avaliação, ao reverem-se na situação daqueles, para gáudio da ignorância e de certos sindicalistas, a contarem manifestantes como há 30 anos.

Nasceram cursos mais curtos, de formato e objectivos semelhantes aos tradicionais. Perpetua-se o desemprego. Na escassa oferta de trabalho o empreendedor opta (se optar) por este tipo de graduados, paga-lhes menos e ganha se o Estado lhos oferece por nove meses subsidiados. Até a forte gente tomba no exército da lamúria. «Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada!».

Henrique Pinto

In Diário de Leiria 2009

FOTO: o escritor António Lobo Antunes

Sem comentários:

Enviar um comentário