segunda-feira, 7 de setembro de 2009

CHEIRAR MORTE E INDIFERENÇA


Sentado no hall do Le Meridien em N’Djamena, capital do Chade – cómodos sofás, grossos tapetes, arte africana, música terna e bebida fresca – converso com o Dr. Abdelsalam, agora na OMS, amigo desde Atlanta. Através das janelas amplas vê-se o rio Chari, belíssimo, a separar-nos da República dos Camarões. Famoso pelas percas do Nilo corre para o lago do seu nome, hoje quase seco. A conversa escorre sobre a qualificação pelo TPI do presidente sudanês general Umar al Bashir, tempos antes, como criminoso contra a Humanidade. Une-nos ainda a premência do Alto Comissário Guterres a exigir a participação duma força internacional no Darfur, mais ampla que a da passiva União Africana. Interessa-nos por missão profissional o trabalho dos organismos mundiais e ONG.
O genocídio – assassínio massivo de raça ou etnia, a exemplo do Ruanda em 1994 com a dizimação da minoria Tutsi e dos moderados Hutus pelos pares destes – é o recurso de Bashir para arabizar o sul e aceder aos seus recursos. Perpetrado pelo seu exército e por tribos janjauídes, termo antigo para combatentes da fé, como os talibãs afegãos, mortíferas milícias árabes a cavalo, por si instadas, traduz-se na matança e violação brutal dos africanos não árabes, centenas de milhar de Zaghawas e outras tribos. Quase dois milhões e meio vivem em campos de refugiados ou em esconderijos em vales do deserto.
O labor sanitário dos voluntários MSF, da OXFAM e da Intersos, da OMS e da Cruz Vermelha, com os mais de 120 000 refugiados do Darfur do sul em solo chadiano, desde os campos de Gaga, Farchana, Bredjing, Treguine, Goz Beïda até Goz Amer, é uma notável obra humanitária.
Darfur, território ocidental do Sudão com a área da França, teve autonomia de 1972 a 1983, um período excepcional porque de paz. É terreno de montanhas esparsas e planícies sem fim, arbustos retorcidos e uádis, leitos arenosos de cursos de água. As importantes jazidas de petróleo – cuja exploração foi abandonada pela Chevron Oil, acossada pelos rebeldes, ao tempo do ditador Nimeiri – estão hoje a cargo dos chineses. Tem volumosas reservas subterrâneas de água doce, ouro do futuro.
Os rebeldes tinham três reivindicações: não à lei da sharia; melhor representação política dos africanos indígenas e uma participação social justa nas riquezas esperadas do petróleo.
Quando os ingleses saíram do Sudão em 1956, dois anos após a partida do Iraque e oito sobre o seu êxodo da Palestina, deixaram-no com um governo minoritário árabe a governar uma população africana, na sua maioria não árabe. O Darfur é essencialmente africano.
Nos alvores da madrugada parto para Adis Abeba. O avião etíope sobrevoa o Uganda. Cogito na passividade e indiferença do mundo perante a avidez mórbida de Bashir. Daoud Hari diz-nos a respeito que «quando as pessoas parecem já não ter emoção em relação a estas histórias, o nosso coração deve fornecê-la».

Hpinto

In Diário de Leiria
Setembro 09

FOTO: Mulheres do Darfur,usam os trajes mais coloridos de África

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