segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A MAIOR HONRA


Acho que Philip Roth é no presente o melhor escritor dos EUA e um dos primeiros entre os contemporâneos no mundo. Sobre ele ouvi há dias a um casal de intelectuais americanos um breve «não conheço». Doloroso? É saudável ter a noção que a diferença como a intensidade das relações é a um tempo nata mas também memória colectiva. Mesmo quando as distâncias estão em vias de extinção.
Repito de vez em quando uma frase de O Animal Moribundo, deste escritor judeu omnisciente, inconformado ainda nos seus anos dourados. «Há sempre forças contrárias e por isso, a não ser que gostemos imoderadamente da subordinação, estamos sempre em guerra». No fundo é um libelo contra o absurdo do consenso lei, sem que a intolerância se instale sobre o primado das convicções.
É tão legítima a evocação jocosa do orgulho efémero dos pobres, com as bandeiras à janela, quanto o sentir dos que fruem do verde rubro e da Portuguesa momentos de comoção. É credora de tanto respeito a perseverança com que alguns perpetuam a superioridade histórica de Portugal cristalizada na saga dos descobrimentos, como o lamento dos que tornam ladainha a suposta menoridade do país, num choradinho instruído pelas circunstâncias da política, num país com iliteracia que chegue, e no cortejo triste de personalidades sem brilho intelectual ou moral consistente.
A informação pública do país com fundamento em falsos estudos de opinião, em que Almeida Garrett ou Virgílio Ferreira são a ralé dos portugueses, perante o feitor de Santa Comba (Shakespeare também suou as estopinhas para não perder de vista as costas da «princesa do povo»), espelharam o baixo peso específico da ciência em confronto com a amálgama de interesses do dinheiro que agenda os quotidianos. Mas tal não impede que Portugal exporte o melhor da inteligência, como a magreza das côdeas e o repúdio da guerra nas colónias levou noutros tempos, recorrentes, à sangria da força braçal e intelectual.
A filoxera coexistiu com a boa cepa. À pneumónica, ontem, como amanhã à economia chinesa (com os 800 milhões de escravos) faltou e faltará a universalidade perene.
Nesta transitoriedade das pequenas e grandes especulações avulta uma colmeia de pessoas e de coisas boas, que duma ou doutra forma marcarão a história. Quem tem a lucidez do universal e entende a inevitabilidade dos fenómenos globais, mesmo assim sentir-se-á mal no nevoeiro nórdico ou nos meandros duma cultura que não descodifica, e viaja eufórico até ao sol do seu rincão, mesmo que apenas sonhando. Aqueles a quem os chutos de Ronaldo, Quaresma, Simão ou Nani, tornam afónicos por uma semana inteira, têm o mesmo apego telúrico, atávico mesmo, dos que se dizem ou sentem indiferentes com os produtos consumidos por grandes massas. E os descontentes, os felizes e os apáticos, gerados por políticas e credos, na usura e na inveja, com a arrogância e a mesquinhez, acabam invariavelmente a sentir que há um território físico e espiritual que é o seu. Que na melhor das posições será o de muitos.
Hoje, de certa forma, quando há já a certeza, que não ainda o ser factível, a pobreza passível de ser abolida, como numa altura em que a música e a matemática possam ver generalizada a assumpção plena de Aristóteles, a de maiores invenções da humanidade, os ora crentes e descrentes no orgulho nacional, terão seguramente o apego aos seus mais queridos e ao seu quintal, rever-se-ão nos heróis de qualquer empenho que se liguem à ancestralidade do seu sangue.
A natureza absoluta de a genética ter vindo a refazer a história dos povos e de o pensamento filosófico continuar a marcar a topografia funcional do cérebro, por exemplo, asseguram-nos que, no próximo devir, sejam quais forem as fronteiras, as emoções dos homens continuarão a suscitar-lhe o sentimento de orgulho nacional.

Henrique Pinto
In Programa da Gala Central FM (adaptação)
Setembro 09

FOTO: Philip Roth

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