terça-feira, 15 de setembro de 2009

O DESAFIO DO MÉRITO


Um conjunto de cidadãos ilustres da capital distinguiu-me agora como profissional de mérito.
Ora isto é sempre algo muito sério. Sobretudo quando cercados por uma cultura que em regra não premeia o mérito. Ou onde tal atributo é o mais débil dos indicadores para qualificar alguém. Os que fazem da meritocracia parte da sua praxis, elevar a exigência e a consciência das sociedades para se atingir um patamar de compreensão mais amplo, não têm expressão na sociedade portuguesa.
Não surpreende assim o volume de descontentamento dos nossos professores. Alguma razão têm, seguramente. A existirem erros no processo governativo deviam ter sido corrigidos ad inicio. Uma reforma social exige em simultâneo firmeza e tacto, conhecimento e flexibilidade, inteligência. Dar crédito por inteiro ao corporativismo de certos líderes sindicais e políticos, noviços e não tanto, é igual a admitir «toda a reforma ser impossível». Mérito e demérito a terem idêntico sinal. É precioso saber fazê-lo. Terá sido o caso?
Ninguém questiona hoje que os seres humanos são eminentemente filhos do meio, do tratamento que lhes advém logo na concepção, da ternura a fazê-los crescer, das posturas perante eles, dos valores inculcados vida fora, do estímulo de quem os ama e a quem amam, do gradiente qualitativo dos ambientes onde fazem os caminhos profissionais, da política do seu país, da influência do sol e das nuvens.
Talvez por isso desde criança sempre quis ser médico. E quando médico e com boa aceitação na clínica, apaixonei-me pela epidemiologia – o estudo e controlo das doenças da comunidade – e enveredei por carreiras em tudo embebidas pelo sentido de responsabilidade social ampla.
Já depois dos cinquenta a poliomielite virou decididamente a minha vida. Um telefonema inesperado de Chicago fez-me voar de Foz de Iguaçu, no terno Brasil, para Zurique. E ali mesmo comecei um périplo mundial exaustivo em todos os sentidos mas empolgante, um campo amplo de descobertas. A saúde pública adquiriu contornos nunca imaginados. O caldo de culturas humanas e organizacionais em que passei a situar-me na procura do milagre para a poliomielite, mas também para o sarampo – o dragão que obstrui hoje as portas da vida para muitas crianças do mundo quanto a pólio há vinte anos – e a SIDA, exerceu em mim o maior dos efeitos na visão do mundo.
Sou hoje muito mais optimista. O mundo não é a melhor das coisas. Mas também não está tão mal quanto pode parecer. A compreensão assemelha-se mais tangível. A ciência conta. Há uma capacidade crescente no controlar grandes desafios. O mar de cidadãos solidários e lúcidos visto por todo o lado contraria os dogmas de que o igualitarismo ou o liberalismo puro também contam.

Henrique Pinto

In Diário de Leiria, 2009

FOTO: Angelina Jolie Voight, grande actriz norte americana, Embaixadora de boa vontade das Nações Unidas

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