domingo, 13 de setembro de 2009

MAIO MADURO MAIO


Ainda ontem o português médio se indignava com a história dum qualquer estrangeiro a colocar Lisboa na Catalunha, mesmo se de seguida lhe perguntassem pela capital do Chade e a vermelhidão lhe subisse ao rosto. Agora que ainda não usa o computador nem a lista pessoal do telemóvel, obra do filho, julga o twiter uma dança de pele, desespera antes de a conversa escorrer para as falhas do Luisão ou a grandiloquência do presidente dos dragões, ouve na TV o escândalo dos jovens portugueses a não saberem quantos estados tem a União Europeia.
Poderá ocorrer-lhe perguntar se os jovens dos outros estados o saberão mesmo, quais as razões de Gordon Brown para retirar dos manuais escolares as referências ao holocausto, ou até confirmar se as reformas do ensino que marcam a actual juventude portuguesa não terão aflorado entre 1985 e 90. Já seria um sinal de cultura média
Saberá talvez que Maio sempre se associou ao conhecimento social e à inquietude dos estudantes. O país nunca como agora teve uma tão grande massa de pessoas que estudam. Ao contrário do jovem grego a trabalhar na gasolineira ou das teenagers japonesas do quiosque de revistas a atenderem-nos em inglês, a juventude portuguesa ou alemã, licenciada, não tem emprego. Os mesmos jovens que, como os adolescentes chineses de Maio de 1919 ou de Junho de 1989 na Praça da Paz Celestial, forçaram os governos contra a venda das partes alemãs da China ao Japão ou a favor da democracia, fizeram cordão humano entre as embaixadas da Rússia e dos Estados Unidos em Lisboa a favor de Timor.
Mário Soares evocou-nos em Abril de 2008 como os jovens gritavam nas ruas de Paris em Maio de 68 «é proibido proibir!», «sejam realistas, peçam o impossível!» ou «a imaginação ao poder!...», ou como Nicolas Sarkozy entende hoje que é preciso «liquidar a herança de Maio de 68». Lembra-nos como 74% dos franceses, numa sondagem posterior, pensavam exactamente o inverso do seu presidente, por o evento ter tido «um efeito positivo na sociedade» em matéria de «igualdade de género, nos costumes, na assunção da liberdade sexual, nos direitos sociais, na vida política, nas relações entre pais e filhos, etc.».
Talvez o português médio já tenha pensado sem o saber no sentido da frase de Abel Salazar «o médico que só sabe medicina, nem medicina sabe», generalizável a outros ofícios. E cogite sobre a mediocridade dos líderes políticos mundiais, fruto do marketing, veneno novo, e, no nosso caso, da iliteracia de mais de 60% dos concidadãos, que nem a experiência da vida fez com que seja inferior à dos jovens.

Henrique Pinto

In Diário de Leiria, 2009

FOTO: Carla Bruni,jovem modelo e cantora italiana, esposa do presidente francês Nicolas Sarkozy

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